J. Bras. Nefrol. 2004;26(3 suppl. 1):1-3.

Doença Renal Crônica: Definição, Epidemiologia e Classificação

João Egidio Romão Junior

DEFINIÇAO

doença renal crônica consiste em lesao renal e perda progressiva e irreversível da funçao dos rins (glomerular, tubular e endócrina).Em sua fase mais avançada (chamada de fase terminal de insuficiência renal crônica-IRC), os rins nao conseguem mais manter a normalidade do meio interno do paciente.

EPIDEMIOLOGIA

A doença renal crônica constitui hoje em um importante problema médico e de saúde pública. No Brasil, a prevalência de pacientes mantidos em programa crônico de diálise mais que dobrou nos últimos oito anos. De 24.000 pacientes mantidos em programa dialítico em 1994, alcançamos 59.153 pacientes em 2004. A incidência de novos pacientes cresce cerca de 8% ao ano, tendo sido 18.000 pacientes em 2001. O gasto com o programa de diálise e transplante renal no Brasil situa-se ao redor de 1,4 bilhoes de reais ao ano.

Levando-se em conta dados norte-americanos, para cada paciente mantido em programa de diálise crônica existiriam cerca de 20 a 25 pacientes com algum grau de disfunçao renal, ou seja, existiriam cerca de 1,2 a 1,5 milhao de brasileiros com doença renal crônica. Trabalho populacional recente em Bambui-MG mostrou que a prevalência de creatinina sérica elevada foi de 0,48% em adultos da cidade, chegando a 5,09% na populaçao mais idosa (>60 anos), o que projetaria a populaçao brasileira com disfunçao renal a cerca de 1,4 milhao de pessoas.

A detecçao precoce da doença renal e condutas terapêuticas apropriadas para o retardamento de sua progressao pode reduzir o sofrimento dos pacientes e os custos financeiros associados à DRC. Como as duas principais causas de insuficiência renal crônica sao a hipertensao arterial e o diabetes mellitus, sao os médicos clínicos gerais que trabalham na área de atençao básica à saúde que cuidam destes pacientes. Ao mesmo tempo, os portadores de disfunçao renal leve apresentam quase sempre evoluçao progressiva, insidiosa e assintomática, dificultando o diagnóstico precoce da disfunçao renal. Assim, a capacitaçao, a conscientizaçao e vigilância do médico de cuidados primários à saúde sao essenciais para o diagnóstico e encaminhamento precoce ao nefrologista e a instituiçao de diretrizes apropriadas para retardar a progressao da DRC, prevenir suas complicaçoes, modificar comorbidades presentes e preparo adequado a uma terapia de substituiçao renal.

ESTADIAMENTO DA DOENÇA RENAL CRONICA

Nos pacientes com doença renal crônica o estágio da doença deve ser determinado com base no nível de funçao renal, independentemente do diagnóstico (C).

Para efeitos clínicos, epidemiológicos, didáticos e conceituais, a DRC é dividida em seis estágios funcionais, de acordo com o grau de funçao renal do paciente. Estes estágios sao:

Fase de funçao renal normal sem lesao renal – importante do ponto de vista epidemiológico, pois inclui pessoas integrantes dos chamados grupos de risco para o desenvolvimento da doença renal crônica (hipertensos, diabéticos, parentes de hipertensos, diabéticos e portadores de DRC, etc), que ainda nao desenvolveram lesao renal.

Fase de lesao com funçao renal normal – corresponde às fases iniciais de lesao renal com filtraçao glomerular preservada, ou seja, o ritmo de filtraçao glomerular está acima de 90ml/min/1,73m2.

Fase de insuficiência renal funcional ou leve – ocorre no início da perda de funçao dos rins. Nesta fase, os níveis de uréia e creatinina plasmáticos ainda sao normais, nao há sinais ou sintomas clínicos importantes de insuficiência renal e somente métodos acurados de avaliaçao da funçao do rim (métodos de depuraçao, por exemplo) irao detectar estas anormalidades. Os rins conseguem manter razoável controle do meio interno. Compreende a um ritmo de filtraçao glomerular entre 60 e 89ml/min/1,73m2.

Fase de insuficiência renal laboratorial ou moderada – nesta fase, embora os sinais e sintomas da uremia possam estar presentes de maneira discreta, o paciente mantém-se clinicamente bem. Na maioria das vezes, apresenta somente sinais e sintomas ligados à causa básica (lupus, hipertensao arterial, diabetes mellitus, infecçoes urinárias, etc.). Avaliaçao laboratorial simples já nos mostra, quase sempre, níveis elevados de uréia e de creatinina plasmáticos. Corresponde a uma faixa de ritmo de filtraçao glomerular compreendido entre 30 e 59ml/min/1,73m2.

Fase de insuficiência renal clínica ou severa – O paciente já se ressente de disfunçao renal. Apresenta sinais e sintomas marcados de uremia. Dentre estes a anemia, a hipertensao arterial, o edema, a fraqueza, o mal-estar e os sintomas digestivos sao os mais precoces e comuns. Corresponde à faixa de ritmo de filtraçao glomerular entre 15 a 29ml/min/1,73m2.

Fase terminal de insuficiência renal crônica – como o próprio nome indica, corresponde à faixa de funçao renal na qual os rins perderam o controle do meio interno, tornando-se este bastante alterado para ser incompatível com a vida. Nesta fase, o paciente encontra-se intensamente sintomático. Suas opçoes terapêuticas sao os métodos de depuraçao artificial do sangue (diálise peritoneal ou hemodiálise) ou o transplante renal. Compreende a um ritmo de filtraçao glomerular inferior a 15ml/min/1,73m2.

Obs.: Para efeitos de tratamento, sao considerados nestas Diretrizes somente os Estágios de 2 a 5 da classificaçao da DRC.

GRUPO DE RISCO PARA A DOENÇA RENAL CRONICA

Todo paciente pertencente ao chamado grupo de risco para desenvolverem a doença renal crônica deve ser submetido a exames para averiguar a presença de lesao renal (análise de proteinúria) e para estimar o nível de funçao renal (RFG) a cada ano (C).

Dados da literatura indicam que portadores de hipertensao arterial, de diabetes mellitus, ou história familiar para doença renal crônica têm maior probabilidade de desenvolverem insuficiência renal crônica.

A incidência de DRC em hipertensos é de cerca de 156 casos por milhao, em estudo de 16 anos com 332.500 homens entre 35 e 57 anos. O risco de desenvolvimento de nefropatia é de cerca de 30% nos diabéticos tipo 1 e de 20% nos diabéticos tipo 2. No Brasil, dentre 2.467.812 pacientes com hipertensao e/ou diabetes cadastrados no programa HiperDia do Ministério da Saúde em 29 de março de 2004, a freqüência de doenças renais foi de 6,63% (175.227 casos).

DIRETRIZES GERAIS DE TRATAMENTO

A avaliaçao e o tratamento de pacientes com doença renal crônica requer a compreensao de conceitos separados, porém relacionados de diagnóstico, risco de perda da funçao renal, gravidade da doença, condiçoes comórbidas e terapia de substituiçao renal (C).

O tratamento de pacientes portadores de insuficiência renal progressiva pode ser dividido em vários componentes, a saber:

  • Programa de promoçao à saúde e prevençao primária (grupos de riscos para DRC)
  • Identificaçao precoce da disfunçao renal (Diagnóstico da DRC)
  • Detecçao e correçao de causas reversíveis da doença renal
  • Diagnóstico etiológico (tipo de doença renal)
  • Definiçao e estadiamento da disfunçao renal
  • Instituiçao de intervençoes para retardar a progressao da doença renal crônica
  • Prevenir complicaçoes da doença renal crônica
  • Modificar comorbidades comuns a estes pacientes
  • Planejamento precoce da terapia de substituiçao renal (TSR).

 

DOENÇA RENAL CRONICA “DE NOVO”

Pacientes portadores de aloenxerto renal, apresentando DRC resultante das diferentes formas de agressao ao tecido transplantado

Causas:

  • Rejeiçao crônica
  • Nefrotoxicidade por uso de drogas imunossupressoras
  • Recidiva de glomerulopatias
  • Glomerulopatia do transplante

Apresentaçao clínica

  • Aumento gradual da creatinina
  • Proteinúria
  • Hipertensao arterial

Fatores de risco para DRC

  • Proteinúria
  • Hipertensao arterial
  • Aumento do colesterol

Tratamento

  • Devem ser acompanhados com os mesmos cuidados e indicaçoes de qualquer portador de DRC, somando-se a manipulaçao adequada de drogas imunossupressoras nefrotóxicas (B).

REFERENCIAS

1. Passos VMA, Barreto SM, Lima-Costa MFF, Bambui Health and Ageing Study (BHAS) Group – Detection of renal dysfunction based on serum creatinine levels in a Brazilian community. The Bambuí Health and Ageing Group. Braz J Med Biol Res 36:393-401,2003

2. Romao Jr JE, Pinto SWL, Canziani ME, Praxedes JN, Santello JL, Moreira JCM – Censo SBN 2002: Informaçoes epidemiológicas das unidades de diálise do Brasil. J Bras nefrol 25:188-199,2003.

3. United States Renal Data System (USRDS) – 2001 Annual Data Report. Am J Kidney Dis 37:S1-S189,2002

4. Moeller S, Gioberge S, Brown G – ESRD patients in 2001: Global overview of patients, treatment modalities and development trends. Nephol Dial Transplat 17:2071-2076,2002

5. Ministério da Saúde do Brasil, Secretaria de Assistência à Saúde – Estudo epidemiológico brasileiro sobre terapia renal substutiva. Brasília (DF), 2002

6. Zatz R, Romao Jr JE, Noronha IL – Nephrology in Latin America, with emphasis on Brazil. Kidney Int 83:S131-S134,2003.

7. K/DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease. Am J Kidney Dis 39(Suppl1):S1-S246,2002.

8. Klag MJ, Whelton PK, Randall BL, Neaton JD, Brancati FL, Ford CE, Shulman NB, Stamler J – Blood Pressure and End-Stage Renal Disease in Men. New Engl J Med 334:13-18,1996.

9. Morgensen CE – Microalbuminuria, blood pressure and diabetic renal disease: origin and development of ideas. Diabetologia 42:263-285,1999.

10. Ministério da Saúde do Brasil, Programa HiperDia. http://hiperdia.datasus.gov.br, 29/03/2004.

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12. Rossert JA, Wauters JP – Recommendations for the screening and management of patients with chronic kidney disease. Nephrol Dial Transplant 17(Suppl1):19-28,2002.

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